Um relatório divulgado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Ibama) aponta que os grandes bagres presentes no Rio Madeira, como Jaú (Zungaro zungaro) e Dourada (Brachyplatystoma rousseauxii), não conseguem subir a barreira da Usina Hidrelétrica (UHE) Jirau na época da piracema – período em que os peixes sobem o leito do rio para reprodução. Diante do sistema considerado ineficiente, a migração dos peixes é feita de forma manual, utilizando caminhões para o transporte das espécies.
O estudo é correspondente ao período de novembro de 2012 a abril de 2013. Nele, o Ibama afirma que o Rio Madeira é uma rota de migração para algumas espécies de peixes da bacia amazônica. Por conta disso, para a construção das usinas no Rio Madeira, o órgão exigiu que fosse realizado um monitoramento das espécies que migram para reprodução e alimentação.
Para este monitoramento, foram colocadas 10 bases fixas abaixo e acima do nível da barragem de Jirau. Mais de 200 peixes receberam chips que possibilitaram o acompanhamento da movimentação das espécies na área.
Durante o período de observação, nenhuma espécie de peixe foi vista na área acima da barragem de Jirau, aponta o relatório, mas cinco peixes foram encontrados próximo das estruturas da usina. O Sistema de Transporte de Peixes (STP), portanto, não têm atendido a necessidade, conclui o estudo.
Antes da construção das usinas no Rio Madeira, os peixes passavam os obstáculos naturais do rio, sendo um dos maiores a Cachoeira de Teotônio, local onde foram identificados os peixes tipo bagre que costumeiramente subiam os rios. Ainda no período anterior à obra, os bagres, como a dourada, o babão (B. platynemum) e a piramutaba (B. vailantii), entre outros, foram identificados e marcados por radiotransmissores que mostraram o curso da espécie durante a piracema. A presença de obstáculos é uma condição para que os peixes consigam migrar. Sem dificuldades, os peixes não sobem o rio para procriar.
Sistema de transmissão
A Usina Jirau não quis se manifestar sobre o resultado do relatório e informou que não há estudos atualizados sobre a migração natural dos peixes.
Sobre o Sistema de Transmissão de Peixes (STP) utilizado, a assessoria do empreendimento explicou que foi implantado o modelo de captura e transporte, sendo que um destes tanques é escavado em rocha e o outro é constituído de estrutura metálica.
Durante o período de desova dos peixes, eles passam por um canal condutor que os leva para um tanque onde ficam concentrados – abaixo do nível da barragem. Em seguida, eles passam por uma seleção, onde são avaliados tamanho, peso, entre outras características.
Após a triagem, as espécies são colocadas em caixas específicas para transporte de peixes vivos e são levadas para áreas acima do nível da barragem – a montante – onde são soltas. Ainda de acordo com a assessoria, todo o processo de operação dos STPs e manejo das espécies capturadas no interior dos sistemas segue a descrição do Plano de Trabalho aprovado pelo Ibama.
A hidrelétrica informou, ainda, que desde o início das atividades dos STPs, 117.123 peixes foram capturados, divididos em 66 espécies identificadas. Destes, mais de 97 mil foram soltos abaixo da barragem e outros 19 mil acima, de forma manual. Os demais indivíduos capturados foram preservados, segundo a assessoria, que não detalhou este processo.
Estes dados constam no 3º Relatório Semestral protocolado no Ibama em junho de 2014, que ainda não está disponível. Para a usina, portanto, os Sistemas de Transporte de Peixes apresentaram bom resultado, “demonstrando boa atratividade para as principais espécies que devem ser transpostas”.
O G1 entrou em contato com o Ibama, mas até a publicação desta reportagem não obteve resposta, segundo a assessoria, devido à “grande demanda” do órgão.
Especialistas
O professor pesquisador Fernando Carvalho, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, afirma que, de maneira geral, o relatório do Ibama evidencia o impacto da construção do reservatório e o comprometimento da reprodução das espécies.
Para ele, as escadas de peixes em usinas hidrelétricas – para que eles subam a barragem – são ineficientes e não resolvem o problema dos migradores. “Peixes que evoluíram durante alguns milhões de anos seguindo um ciclo biológico em ambiente lótico [água em movimento ou com correnteza], de repente se deparam com um ambiente lêntico [água sem correnteza], ficam ‘perdidos” em seus trajetos. São mudanças dramáticas na ecologia/biologia/história de vida das espécies migradoras, especialmente as de grande porte, que necessitam nadar grandes distâncias para reprodução. Se não se reproduzem, por corolário, a abundância é diminuída significantemente”, avalia o especialista.
A Neotropical Ichthyology, periódico científico da Sociedade Brasileira de Ictiologia, publicou um estudo do professor Angelo Antonio Agostinho intitulada ‘Escadas de peixes: passagem de peixes de segurança ou ponto de acesso para a predação?’. Nela, o professor conclui que os resultados da pesquisa ‘sugerem que a alta densidade de peixes no ambiente restrito da escada, associada às injúrias sofridas no percurso e a presença de múltiplos predadores dotados de estratégias de predação variadas, transforme o corredor para passagem de peixes em um “hotspot” de predação’, diz trecho da publicação.
Fonte: http://g1.globo.com