As mudanças no cenário climático poderão afetar uma das principais fontes de alimentação do brasileiro – o peixe. Estudos feitos no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) com o tambaqui, uma das espécies de maior potencial econômico da região, mostram que o aumento da temperatura retarda o crescimento do animal. Além de alterações na biologia e na adaptação ao ambiente, há reflexos significativos para o homem. A relação do desenvolvimento dos peixes com a mudança do grau de calor também é objeto de avaliação de outro projeto, focado na tolerância térmica deles nas águas doces de regiões tropicais.
Na primeira pesquisa, 400 tambaquis foram divididos em quatro ambientes: as salas do microcosmos, um espaço de 25 metros quadrados. Elas fazem parte da estrutura do Laboratório de Ecofisiologia e Evolução Molecular (Leem) do Inpa e simulam as mudanças do clima previstas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para o ano de 2100. Para isso, as salas foram equipadas com sistema automatizado. Um sensor captava a quantidade de CO2 que, por sua vez, era decodificada por um programa de computador, apto a aumentar ou diminuir os níveis.
Na primeira sala, a de controle, foram reproduzidos a temperatura, o nível de CO2 e a umidade iguais dos atuais – cerca de 30 graus e 380 partes por milhão (ppm) de de dióxido de carbono na atmosfera. As variações seguiram as condições naturais externas aos microcosmos, coletadas em tempo real por sensores especialmente instalados na floresta. A segunda refletiu um cenário brando, com temperatura elevada em 1,5 grau e 600ppm de CO2. Na terceira sala, foi adotado um parâmetro intermediário, com aumento de 2,5 graus e 800ppm. No último ambiente, de nível extremo, foram simulados 4,5 graus e 1.250ppm a mais.
Em cada sala, foram montados seis aquários para avaliar o crescimento e o metabolismo resultante das enzimas ômega 3 e 6, capazes de transformar gorduras saturadas em insaturadas (as mais saudáveis). Engenheira de pesca e doutoranda no Inpa, Alzira Miranda de Oliveira, responsável pelo trabalho, explica que, com o aquecimento global, a temperatura aumenta por causa dos crescentes níveis de dióxido de carbono na atmosfera, elevando o potencial do efeito estufa.
A avaliação, que durou 150 dias, detectou menor crescimento das espécies quando submetidas a temperaturas mais altas, nos níveis intermediário e extremo, principalmente neste último. O resultado surpreendeu. “Quando a temperatura aumenta, sobe também o metabolismo e, como os peixes comem mais, eu esperava que eles crescessem mais. Mas ocorreu o inverso”, diz. “Eles começaram a comer menos, e o crescimento a diminuir. É uma situação tão desfavorável fisiologicamente que faz com que não reproduzam essa elevação do metabolismo no crescimento”, explica.
Gordura
Nessas condições, a mudança climática afeta uma das principais enzimas que elevam a quantidade de ômega 3 no organismo do peixe. Embora haja um pico dessa enzima num primeiro momento, ela cai bruscamente depois. Por isso, pode-se ter peixes com mais gordura saturada. Quando submetidos ao cenário brando, as alterações se acomodam depois dos 30 primeiros dias, revertendo a tendência de não crescimento.
A doutoranda, que defenderá sua tese no início do mês que vem, lembra que o tambaqui é o principal peixe consumido na região amazônica e, embora não esteja esgotado, já foi bastante explorado. Hoje, para pescar peixes maiores, é preciso navegar quilômetros a fio. Por isso, para adequar a oferta à demanda, o tambaqui começou a ser cultivado em cativeiro a partir da década de 1980. Nesse contexto, Alzira quis mostrar quais impactos podem ocorrer no ambiente aquático e o que isso representa para as espécies que são economicamente viáveis, se persistirem os altos níveis de emissão de CO2.
O próximo passo é avaliar os hormônios de crescimento. “Provei que a modificação no ambiente interfere no crescimento, mas e sobre outros fatores? Será que o peixe conseguirá se manter vivo? Ele e outras espécies não sumiriam do ecossistema? O que podemos fazer para reduzir a quantidade de CO2?”, questiona. Embora se trate de uma pesquisa pontual para o Amazonas, prevendo um cenário para daqui a 100 anos, a engenheira ressalta que as emissões atuais permitem a elaboração de modelos com simulação de casos extremos. “Falo de futuras gerações, que nascerão num mundo completamente modificado e com recursos naturais diferentes. Pode causar impacto na economia e na sociedade”, ressalta.
Comparação entre espécies de água doce e zona temperada
Uma parceria do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) com a Universidade de Carleton, em Ottawa (Canadá), vai permitir o estudo dos impactos das mudanças climáticas no universo aquático. O projeto Hot fish vai avaliar se os peixes de água doce de regiões tropicais podem sofrer consequências mais danosas com o aumento das temperaturas globais em relação às espécies típicas das zonas temperadas. Isso porque, nas regiões mais quentes do planeta, os organismos não estão adaptados a diferenças bruscas dos termômetros.
O trabalho se baseia numa teoria de 1967, a “hipótese de Jansen”, segundo a qual haveria uma diferença na tolerância térmica entre organismos de regiões temperadas e tropicais, devido, principalmente, à menor variação na temperatura do ambiente nos trópicos. O estudo tem à frente a pós-doutoranda Dominique Lapointe, da universidade canadense. Especialista em ecofisiologia de peixes, ela esteve em Manaus (AM), sede do Inpa, em fevereiro, para os primeiros experimentos, que serão feitos também em Uganda e no Camboja, países da África e da Ásia, respectivamente.
A pesquisadora acredita que as espécies de regiões tropicais podem não sofrer esta tolerância térmica, uma vez que o ambiente aquático tem poucas variações sazonais de temperatura. Em entrevista ao Inpa, ela explicou que, nas regiões temperadas, os organismos ectotérmicos, entre eles os peixes, cuja temperatura interna é determinada pelo equilíbrio com as condições térmicas do meio externo desenvolveram uma ampla tolerância. Assim, durante o inverno e o verão, há grande variação na temperatura do corpo desses animais, seguindo a diferença dos termômetros nessas estações do ano.
Diante desse cenário, Dominique relatou que as mudanças climáticas podem ser potencialmente prejudiciais à manutenção do equilíbrio dos ambientes de água doce de regiões tropicais, como no Rio Negro, na Amazônia, dono de uma importante diversidade biológica.
Para tirar a prova e descobrir como os peixes vão responder ao aumento da temperatura, a cientista vai usar a técnica de respirometria. Por meio dela, será medido o consumo do oxigênio pelos peixes para determinar as faixas de temperatura específicas à manutenção da atividade metabólica nesses animais. Serão examinados ainda os mecanismos fisiológicos e moleculares envolvidos com o estabelecimento das faixas de tolerância térmica nas espécies.
Para os experimentos no Brasil, foi construído no Laboratório de Ecofisiologia e Evolução Molecular (Leem) do Inpa um sistema com tanques para analisar 60 peixes das espécies matrinxã e tambaqui. Para cada uma delas, foram feitos três tratamentos diferentes com filtros mecânicos, químicos e biológicos. No primeiro, os peixes foram submetidos à temperatura ambiente; no segundo, a uma elevação dessa temperatura em dois graus; e, no terceiro, a quatro graus. Tudo com base no que essas espécies terão de suportar a partir das mudanças climáticas. Em cada um deles serão avaliados parâmetros como sangue, peso, crescimento e taxa metabólica. A canadense também aponta questões de risco à segurança alimentar, uma vez que os peixes estão presentes no cardápio da população, além de representarem importante fonte de renda.
Fonte: http://www.em.com.br