De iguaria rara à opção de refeição saudável encontrada facilmente em qualquer bufê a quilo ou restaurante japonês. Em menos de duas décadas, o salmão se tornou um peixe popular no Brasil devido ao paladar que agrada muita gente, aos propalados benefícios à saúde e ao fato de ter tido o preço reduzido.
Isso só foi possível devido ao aumento da criação do peixe em cativeiro, tornando a oferta bem maior e o produto, mais barato.
De tempos em tempos, no entanto, textos se disseminam em alta velocidade nas redes sociais condenando o consumo do salmão de cativeiro – que seria repleto de corantes e antibióticos e, portanto, maléfico à saúde.
Para tirar isso a limpo, a BBC Brasil procurou alguns dos maiores especialistas do país em nutrição e também em criação de peixes em cativeiro. Em resumo, eles dizem que não há motivo para tanta preocupação.
De acordo com José Eurico Possebon Cyrino, especialista do setor de piscicultura da Escola Superior de Agricultura da USP, qualquer diferença de origem do pescado se reflete na sua composição.
“A composição corporal do salmão capturado no Alasca é diferente daquela do salmão capturado no Canadá, que é diferente daquele capturado na Europa”, explica. “Em peixes, mais do que em qualquer outro animal, vale o aforismo: ‘você é aquilo que você come’.”
Cativeiro
De acordo com os textos que circulam na internet, o problema seria justamente a alimentação do animal de cativeiro. Os animais criados em viveiros teriam menos ômega-3 que os selvagens e seriam coloridos artificialmente com substâncias supostamente causadora de câncer, problemas de visão e alergias. Os especialistas afirmam que isso não é verdade.
“As rações utilizadas na salmonicultura são muito boas, excelentes mesmo”, diz Cyrino, que também é professor da USP. “Assim não fosse, as operações seriam economicamente inviáveis; os animais simplesmente morreriam (a má alimentação causa um colapso do sistema imunológico do animal).”
Supervisor da área de Pesca e Aquicultura da Embrapa em Palmas (TO), Giovanni Vitti Moro vai na mesma linha.
“A farinha utilizada como ração para peixes carnívoros é obtida a partir de resíduos do processamento de peixes ou de peixes inteiros capturados para este fim”, explica Vitti Moro. “Esse ingrediente não traz nenhum risco para a saúde humana, nem para os peixes, desde que processado de maneira adequada.”
Ainda de acordo com o especialista da Embrapa, o uso de corante tampouco representa problema.
“Eles geralmente são produzidos a partir de leveduras, de forma natural, sendo que os que são utilizados são compostos carotenoides (pigmentos naturais encontrados em alimentos como a cenoura)”, acrescentou Moro.
Qualidade
O salmão criado em cativeiro não tem necessariamente a mesma composição corporal do animal selvagem, mas isso não significa que seja de qualidade inferior, sustenta Cyrino.
“Muito pelo contrário: mesmo que ligeiramente diferente na composição, é um alimento da melhor qualidade nutricional.”
Não há criação de salmão no Brasil. Mas o consumo se popularizou ao longo dos últimos anos devido ao aumento da criação no Chile. Há dez anos, o Brasil importava 10 mil toneladas do peixe do país vizinho. Hoje, já são 80 mil.
“Se a salmonicultura não tivesse sido desenvolvida no mundo inteiro, e no Chile em particular, os estoques naturais de salmão estariam em perigo de extinção”, argumenta Cyrino.
“A geração de empregos diretos e indiretos pela aquicultura é um benefício socioeconômico palpável. Preço ainda é uma questão delicada (embora o salmão de cativeiro seja mais barato que o selvagem, ainda é um produto caro), mas, certamente, se não fosse o desenvolvimento da salmonicultura, não haveria salmão inteiro, em postas ou em filés disponíveis nas gôndolas frias dos supermercados brasileiros.”
A especialista Marília Oetterer, do Laboratório de Tecnologia do Pescado da Escola Superior de Agricultura da USP, lembra ainda que a importação de salmão de cativeiro propiciou um aumento significativo do consumo de peixe no país, o que é positivo.
“O pescado em geral apresenta todos os aminoácidos essenciais, sendo rico particularmente em lisina, que, no peixe, encontra-se em maior quantidade do que nas outras carnes, no ovo e no leite”, afirmou a especialista. “Cerca de 250 gramas por dia de pescado representa adequação de todos os aminoácidos essenciais.”
Antibióticos
Os especialistas explicam que antibióticos são eventualmente usados misturados à ração dada aos peixes para prevenir parasitoses nos animais. Esses remédios, segundo eles, não fazem mal ao homem. E sua administração segue uma rígida legislação.
“Qualquer medicamento utilizado na produção animal no Brasil e no mundo deve respeitar um período de carência antes do processamento e da venda do produto”, explica Vitti Moro, da Embrapa. “A legislação que controla a comercialização dos produtos de origem animal para consumo humano define os tempos (de carência) para cada tipo de medicamento, não sendo permitida a comercialização caso esse tempo não seja respeitado.”
Sobre possíveis fraudes, a especialista lembra ainda: “Hoje, há inspeções regulares da Anvisa. As amostras são submetidas a análises instrumentais e é feito ainda o sequenciamento genético; uma forma eficiente de detectar, pelo DNA da amostra, qualquer provável fraude.”
O especialista da Embrapa acrescenta: “Todo produto de origem animal que entra no país passa por um rigoroso controle e fiscalização. Não é permitido entrar em território nacional nenhum produto importado que traga algum risco à saúde humana.”
Fonte – http://www.bbc.com/