Cadeia produtiva da piscicultura em Rondônia: onde estamos, para onde devemos ir

Cadeia produtiva da piscicultura em Rondônia: onde estamos, para onde devemos ir
Em O livro negro, do escritor turco Orhan Pamuk, um dos personagens fornece o seguinte conselho a seu interlocutor: “Jamais sente-se para escrever antes de ter encontrado a primeira frase do artigo”.

Introdução: Onde estamos

Rondônia é o maior produtor brasileiro de tambaqui e pirarucu em tanque escavado, tendo como principais polos o Vale do Jamari e a Região Central. Segundo pesquisa realizada pelo Sebrae/RO em 2011, o estado produziu 39,7 mil toneladas de tambaqui e 1,3 mil de pirarucu. Naquele ano havia 2.600 produtores e 6.700 hectares de lâmina d’água licenciadas. O consumo local foi de 3,5 toneladas. Ainda de acordo com a pesquisa, a comercialização dessa produção representou um faturamento de R$ 160 milhões para o setor, tendo Manaus como principal mercado consumidor.

Em 2014, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Ambiental (Sedam) estimou que foram produzidas 71 mil toneladas de peixe, em 11,9 mil hectares de lâmina d’água, um aumento na produção de mais de 78% em relação a 2013. Isso representou um faturamento da ordem de R$ 248 milhões. De acordo com o IBGE, entre 2010 e 2015 o crescimento da produção foi de 400%.

A origem dos números

Os números apresentados acima, nessa que poderia se chamar de fase I da cadeia produtiva da piscicultura rondoniense, ou “da porteira para dentro das propriedades”, são resultados de um conjunto de fatores representados pelas condições naturais propícias para a atividade, como água abundante e de boa qualidade, topografia plana das propriedades e forte atuação das instituições públicas e privadas nos últimos 16 anos, mediante execução de programas de escavação de tanques, doação de alevinos, assistência técnica, desburocratização no processo de obtenção das licenças ambientais, capacitação em gestão e acesso ao mercado.

Vale mencionar ainda a concessão de incentivos fiscais para instalação e/ou ampliação de fábricas de ração e frigoríficos. Outro fator que tem impulsionado a atividade é a existência de mercado consumidor aquecido na região de Manaus, onde se encontra o maior consumo per capta de pescado do Brasil, com 40 kg por pessoa/ano frente aos 14,5 kg de consumo per capta nacional, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

Os desafios: Para onde devemos ir

Com a pujança da fase I, é necessário refletir sobre a fase II da cadeia produtiva, que pode ser chamada “da porteira para fora das propriedades”, cujo objetivo é avançar no desenvolvimento dos elos seguintes da cadeia, na desafiadora etapa de agregar valor ao pescado, mediante implantação de novas plantas frigoríficas e ampliação de mercados para novos produtos, como costela e banda de tambaqui sem espinha, lombo, filé e manta de pirarucu.

Em longo prazo, seguindo a tendência mundial de busca de conveniência e praticidade pelo consumidor final, há que se atuar na sofisticação desses cortes e ofertá-los com temperos e preparos que os deixem prontos para ir da gôndola para o forno ou para o fogão do consumidor.

O desafio contempla também a formulação e fabricação de ração específica para pirarucu, redução de preços de importantes insumos, como a própria ração que pode representar até 60% do custo da produção, além do elevado valor de alevino de pirarucu, cujo centímetro é comercializado entre R$ 0,50 e R$ 0,80. São fatores que, se trabalhados, poderão contrabalançar a logística desfavorável de escoamento e contribuir para tornar o setor mais competitivo.

Quando se fala em conquista de mercado, pode-se adotar a estratégia de marketing baseada nos 4P (produto, preço, praça e promoção), ou mix de marketing, de Philip Kotler, modelo para apoiar a conquista e permanência em mercados.

Mesmo levando em conta que os dois frigoríficos atualmente em operação no estado ofereçam alguns dos produtos mencionados, pesquisas recentes elaboradas pelo Sebrae apontam que ainda há um amplo mercado a ser atendido nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, e até no exterior, tanto para peixe in natura como para cortes sofisticados para média e alta gastronomia. Essa seria uma alternativa para iniciar o processo de redução da perigosa dependência do mercado de Manaus.

No entanto há que se alertar para o fato de que, sem certificação das boas práticas de recria, engorda, abate, processamento, armazenagem e transporte, grandes redes de supermercados não comprarão o produto. Para se ter uma ideia do grau de exigência, essas empresas chegam a pedir laudo de análise da água dos tanques, composição da ração e seu local de armazenagem, além de examinar o grau de concentração de antibióticos na carne do peixe.

Uma organização de defesa do consumidor publicou em sua revista resultados de testes em pescados, que detectaram metais pesados em merluza, pescada e atum. No filé congelado de polaca do Alasca havia 30% de gelo, sendo que a legislação permite no máximo 20%. É nesse cenário que produtores e frigoríficos devem atuar.

A trilha para a consolidação da cadeia produtiva da piscicultura de Rondônia

Se a produção de peixes no estado tem crescido de forma exponencial nos últimos anos, é preciso cuidar de aspectos como agregação de valor, logística e mercado para escoar a produção. Afinal, vender é tão importante quanto produzir. E vender significa acessar mercados e conquistar clientes, sejam eles redes de supermercados, atacadistas, frigoríficos ou restaurantes.

Assim, é necessário implantar ações de curto, médio e longo prazos, no intuito de o produto ingressar em nichos, tanto locais como de outras regiões do país, iniciando por Rondônia. Isso pode ser feito mediante articulação com as redes de supermercados, restaurantes e produtores, em parceria com a Associação dos Supermercados de Rondônia (Asmerom) e a Associação Brasileira de Bares, Restaurantes e Lanchonetes (Abrasel), Sebrae, Governo do Estado e prefeituras, para promover nesses estabelecimentos, semestralmente, workshops de gastronomia, cursos de boas práticas de preparo de cortes e elaboração de pratos à base de pescado, com degustação nos pontos de venda. A ação precisa ser apoiada por campanha de marketing e divulgação na imprensa.

Outro mercado local potencial para produtos com valor agregado é o de compras governamentais, pelas instituições estaduais e municipais de ensino. Segundo a Secretaria de Estado da Educação (Seduc), Rondônia possui 240 mil alunos matriculados em 439 escolas. Por lei, as refeições nas escolas devem ser servidas com peixe duas vezes por semana. A Seduc tem orçamento de quase R$ 3 milhões para aquisição do produto.

A introdução de peixe na merenda escolar é um forte componente no esforço de criar o hábito de consumo em gerações futuras. Os produtos para esse nicho seriam fabricados com carne mecanicamente separada (CMS), gerada pelo processamento de cortes como filés, mantas e costelas, contribuindo para eficiência produtiva dos frigoríficos.

Precisamos criar uma cultura de consumo do pescado, especialmente nas cidades do eixo da BR 364, com difusão para outras cidades. Ações como essa podem ser o caminho.

Os eventos em Rondônia funcionariam como aprendizado, para repeti-los no ano seguinte com maior nível de complexidade e sofisticação em capitais como São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. A execução nessas capitais pode ser anual, durante três ou quatro anos, com forte estratégia de marketing, incluindo elaboração de livros de receitas, degustações em pontos de vendas, encarte em revistas de bairros e incorporação do conceito “Amazônia/Sustentabilidade”, pois trata-se de produto com origem conhecida, e não de pesca predatória. O resultado seria o aumento da demanda pelo pescado rondoniense, provocando atração de novos investimentos em frigoríficos e logística.

No entanto, para a estratégia acima funcionar, é preciso que haja uma fina sintonia entre o fornecimento de pescado para os frigoríficos (que precisam recebê-lo em quantidade, qualidade e prazo previstos no seu planejamento de produção para que consigam processá-lo e fornecer dentro dos requisitos do cliente) e os distribuidores e redes de supermercados. Seria o just in time da cadeia produtiva.

Um eventual desacerto entre o fornecimento dos produtores aos frigoríficos e os distribuidores e redes de supermercados colocará todo esforço acima por água abaixo, gerando consequências danosas para a credibilidade da cadeia. Daí a necessidade dos atores envolvidos terem consciência de seu papel no processo. Isso passa pela escolha criteriosa dos produtores, planejamento da produção e despesca nas propriedades, negociação transparente e cumprimento dos contratos entre piscicultores e frigoríficos. O Sebrae/RO e parceiros estão iniciando um projeto nesse sentido para atender 100 produtores que respondem por quase 60% da produção de Rondônia.

Pontos para reflexão

Quem tiver a intenção de empreender nesse novo momento da aquicultura rondoniense deve elaborar um bom planejamento que contemple as seguintes questões:

Necessidade de identificar e quantificar o mercado consumidor no estado e/ou fora dele, conhecer os canais de distribuição, volume de demanda para peixe in natura e/ou processado, a que preços poderão ser comercializados, nível de concorrência, entre outros. Deve também lembrar que a concorrência será com espécies mais conhecidas, como panga, salmão, tilápia, bacalhau, merluza e outros. Definir o posicionamento do pescado rondoniense, ponderando se irá competir em diferenciação, preço ou segmentação.

O investidor deve conhecer e se adequar à politica de aquisição dos clientes no que diz respeito a quesitos como sanidade, nutrição, processamento, transporte do produto e, claro, preço. Com essas informações, deve planejar o volume a ser ofertado, conhecer o custo de produção, logística e incorporar conceitos de planejamento e controle da produção. Ou seja, nessa nova fase, profissionalização é a palavra.

Por fim, encontrar mercado para a produção é fundamental. Mas é preciso que o piscicultor/investidor reflita sobre que foi dito acima e busque alternativas para se adequar às exigências desse mercado, seja de qualidade, preços, prazos ou volume.

O governo, entidades de produtores e órgãos de apoio têm importante papel nesse processo, contribuindo para o aumento da competitividade da piscicultura de Rondônia e seu crescimento sustentável.

Fonte: http://folhanobre.com.br