A nova onda da tilápia: tecnologia deve levar cultivo a outro patamar em 2022

Estima que, neste ano, o setor deve produzir cerca de 520 mil toneladas, volume 10% maior do que no ano passado

O mercado brasileiro de peixe vem se transformando a olhos vistos nos últimos anos. O primeiro passo foi encontrar a espécie de cultivo ideal, problema resolvido com a tilápia, a mais cultivada e consumida. Agora, a tilapicultura vive um momento de intensa industrialização, com investimentos vultosos em genética, nutrição e na verticalização da cadeia. Tudo em busca de novos mercados e na expectativa de sanar aquela que parece ser a maior ironia do setor. Em um país com tanta água, o brasileiro consome pouco peixe.

Mas a realidade está mudando. A Associação Brasileira de Piscicultura (Peixe BR) estima que, neste ano, o setor deve produzir cerca de 520 mil toneladas, volume 10% maior do que no ano passado. O consumo médio do brasileiro fica entre 3 e 4 quilos de tilápia ao ano. Para se ter uma ideia, a FAO recomenda o consumo de 12 quilos de peixe (de um modo geral) por ano.

A intensificação da produção, a melhora na distribuição e campanhas de marketing tendem a elevar o consumo de peixe, em geral, e da tilápia, em particular. Outro fator benéfico para os produtores é o apelo saudável do peixe quando comparado a outras proteínas de origem animal. Segundo a PeixeBR, a demanda interna cresce mais de 10% ao ano.

“Empresas líderes atuam no sistema verticalizado ou no integrado. Esse é um caminho que deve ser percorrido”

É quase um clichê dizer que a tilápia é o frango dos peixes. A comparação é tão inevitável quanto adequada para explicar do que se trata. Investimentos em nutrição e genética, entre outros, permitiram rendimentos muito altos no aproveitamento da carcaça e na qualidade da carne. Além disso, a carne saudável, suave e saborosa ajuda a quebrar um preconceito antigo. Com a industrialização, cortes prontos para o preparo evitam outro problema: não é preciso limpar o peixe.

Como o peixe é um produto muito delicado, uma vez abatido, torna-se urgente o processamento. Quanto mais curto o prazo entre o abate e o produto final, melhor. Por isso, empresas como a Fider Pescados, de Rifaina (SP), vêm investindo pesado na industrialização. A ideia é ter, em um mesmo local, o ciclo completo da piscicultura. A Fider atua em reprodução, engorda, indústria (frigorífico e fábrica de farinha e óleos) e na comercialização de pcados. Recentemente, começou um trabalho com genética e espera desenvolver uma indústria de ração.

Há cerca de dois anos, a empresa produzia 400 toneladas por mês de produtos de tilápia. Hoje, a capacidade dobrou, chegando a 800 toneladas. Responsável pelo trabalho que possibilitou mais integração e eficiência nos processos da companhia, o gerente Juliano Kubitza diz que uma das vantagens da Fider é o tempo muito curto de processamento industrial na fabricação de filés, peixes congelados, óleos e farinhas e peles.

Atuando há quase 20 anos no mercado de tilápia, Juliano diz que o tempo em que precisava convencer o comprador a colocar tilápia na gôndola já passou. Segundo ele, se o Brasil aumentasse sua produção, o custo seria diluído. “A escala nas condições de hoje de ração e alevi- nos faria a gente produzir 10% mais barato, mas volume vem com tempo e aprendizado. Eu mesmo já participei de muitas tentativas e erros na tilápia”, diz.

A China é o maior produtor mundial de tilápia, com cerca de 1,9 milhão de toneladas por ano. O Brasil é o quarto maior produtor, com 490 mil toneladas. “Daqui a dez anos, seremos uma China em volume, mas com uma tecnologia muito mais sofisticada”, diz o gerente da Fider. De acordo com a PeixeBR, até o final da década, o Brasil passará a ser o segundo maior produtor mundial.

A Fider é a maior produtora paulista de tilápias, a base da produção de Rifaina, cidade do extremo nordeste e São Paulo, na divisa com Minas Gerais. Com uma população que não chega a 4 mil pessoas, Rifaina é uma estância turística bastante frequentada pelos habitantes das grandes cidades da região, como Ribeirão Preto, Franca e Uberaba.

“A escala nas condições de hoje faria a gente produzir 10% mais barato, mas volume vem com tempo e aprendizado”

A fazenda da Fider na represa de Jaguara, no Rio Grande, é considerada o maior projeto de tanques-rede de alta capacidade da América Latina. A unidade abriga atualmente 10 milhões de peixes em cada ciclo. Pertinho dali fica a planta industrial, com um frigorífico e uma fábrica de farinha e óleo.

Os peixes retirados dos tanques por tubos de sucção vão para um caminhão-tanque até a chegada à fábrica, onde são abatidos e processados em tempo recorde. Do tanque ao produto final (o filé nobre ou os subprodutos), o processo não chega a durar duas horas. O frigorífico tem capacidade para processar cerca de 3 mil toneladas mensais.

O supervisor de produção do frigorífico, Samuel Araújo Carvalho, explica que os processos fabris da empresa permitem conservar o frescor do peixe em todas as etapas. Com isso, segundo ele, garante-se um produto de excelência. A Fider tem uma tecnologia de congelamento rápido que congela o filé em 40 minutos, o que não é comum na indústria brasileira.

Terminados, os produtos vão na maioria para abastecer o mercado interno, que absorve 85% da produção. O restante vai para países como Estados Unidos, Taiwan, Bangladesh, Venezuela, Indonésia e Sri Lanka. Tudo é processado de acordo com as características de consumo desses mercados.

Um dos diferenciais da empresa é a perda próxima a zero na linha de produção. Em outubro de 2020, a Fider inaugurou uma fábrica de farinha e óleos (FFO) que aproveita 100% dos resíduos do frigorífico. Juliano explica que é a primeira vez que a tilápia recebe uma fábrica desse tipo no Brasil. A indústria trabalha no sistema 4.0, totalmente automatizada e monitorada por poucos funcionários.

Um tubo a vácuo manda a parte não aproveitada no frigorífico direto para a FFO, que produz rações com altos teores de proteína, utilizadas na indústria de alimentação anima.

O controlador da fábrica, Giovanni Santillán, diz que o diferencial da unidade é que a industrialização é feita no sistema úmido. “Com esse sistema, conseguimos um produto final com teores de proteína entre 65% e 69%, enquanto no sistema a seco, mais frequente, os teores variam entre 54% e 57%.” O gerente Juliano Kubitza explica que a fábrica produz 300 toneladas por mês. “Esse mercado está muito aquecido.”

A produção na represa de Jaguara tem um intenso cuidado ambiental. Periodicamente, são feitas análises da água e do sistema de gestão de resíduos. Para atuar no local, a Fider precisou criar uma Área de Preservação Permanente que abriga espécies de animais silvestres dos biomas da Mata Atlântica e do Cerrado, típicos da região de transição onde está situada.

O trabalho desenvolvido pela companhia permitiu uma compilação de dados fundamental para o desempenho da Fider. Todas as etapas do processo são rastreadas, desde o laboratório, passando pelo tanque escavado de reprodução e pelos tanques de engorda, até o frigorífico. “Dos medicamentos, rações, tratamentos, a gente consegue ver toda a vida do peixe”, afirma o supervisor de produção da fazenda, Leontino Rezende Neto.

Até março do ano que vem, a produção na fazenda da Fider deve sair de 800 toneladas atuais para chegar a 1.200 toneladas.

“Estou trabalhando aqui na fábrica e negociando esse volume. Parte do meu trabalho é olhar a operação e o mercado como um todo”, diz Kubitza. O presidente executivo da PeixeBR, Francisco Medeiros, conta que o modelo adotado pela Fider é um dos mais competitivos do mercado. Além do sistema verticalizado, ainda existem o integrado, em que as empresas propor- cionam competitividade a pequenos e médios produtores, e o independente.

“Empesas líderes de mercado atuam no sistema verticalizado ou no integrado. Esse é um caminho que deve ser percorrido pelos principais players do negócio. Segundo Francisco, o modelo da Fider já apresenta a maior taxa de crescimento entre as empresas do setor e tende a se popularizar. “Isso é extremamente importante para o ganho de competitividade. O mercado brasileiro de tilá- pia continuará crescendo e se profissionalizando. É um caminho sem volta.”

Fonte: https://revistagloborural.globo.com/