O teste está pronto a ser usado por qualquer piscicultura de água salgada e serve três grandes objetivos: permite aos consumidores saberem exatamente que o peixe cresceu numa aquacultura que utiliza, ou não, métodos de criação amigos do ambiente e, consequentemente, aferirem a qualidade do pescado e respetivas implicações na saúde humana e possibilita aos produtores certificarem o próprio produto enquanto combate a fraude de quem vende ‘gato por lebre’.
Se nas carnes e nos vegetais a denominação de produto criado através de métodos biológicos é já uma informação que está ao alcance dos consumidores, no que diz respeito ao pescado o cenário é pouco claro e a fraude é difícil de detetar. “O nosso teste permite não só ao produtor, de uma forma inequívoca, garantir que o produto é seu mas também denunciar o uso abusivo daqueles que dizem que o seu peixe é orgânico”, aponta Ricardo Calado, biólogo da UA e coordenador do projeto.
O teste desenvolvido no Departamento de Biologia (DBIO) e no Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da UA surge numa altura, refere o responsável, em que “algumas empresas de aquacultura estão a mobilizar-se no sentido de produzirem peixe biológico através de boas práticas ambientais” ligadas, por exemplo, à forma como a manutenção dos tanques de produção é feita ou ao tipo de ração utilizado [com proteína de origem maioritariamente animal ou vegetal] que é fornecida aos animais. O mercado assim o exige pois, tal como para os restantes alimentos, “é crescente o número de consumidores preocupados com a proveniência e a forma como foi produzido o peixe, estando dispostos a pagar mais caro por um produto de qualidade superior”.
Pelo consumidor e contra a fraude
Se até agora “era muito difícil perceber a proveniência do peixe depois deste ser colocado em banca, e com isso obter informações sobre os métodos de crescimento utilizados pelo produtor em causa”, com o teste desenvolvido na UA os biólogos tornaram a tarefa simples, rápida e fiável. O teste permite mesmo saber com exatidão, entre duas aquaculturas contíguas, qual delas produziu o peixe que tem na mesa.
“A nossa técnica de biologia molecular analisa uma espécie de ‘código de barras’ natural que são os microrganismos que cobrem o muco do peixe”, desvenda Ricardo Calado. Efetivamente, aponta, “esse código é desenvolvido em função do ambiente em que o peixe cresceu”. Assim, o conjunto de microrganismos presentes no muco que reveste um peixe que cresceu numa determinada aquacultura, por muito próxima que esteja de outra, é único e inalterável a curto prazo. Catalogando o ‘carimbo’ microbiológico que cada aquacultura imprime nos seus animais torna-se evidente, depois da análise realizada ao peixe e comparando os dois ‘códigos de barras’, o local exato de onde provém o pescado. Se os códigos coincidirem a informação sobre a proveniência está correta. Caso contrário trata-se de uma fraude.
O método de identificação da proveniência do peixe é simples e não afeta o aspeto com que o produto chega ao mercado. “Recolhemos uma amostra mínima de muco do peixe e analisamos o DNA do microrganismos presentes”, explica a bióloga Tânia Pimentel. Posteriormente, acrescenta a investigadora da equipa, “a partir do DNA bacteriano conseguimos saber qual o perfil da comunidade bacteriana, ou seja, como é constituída essa comunidade e a qual piscicultura corresponde”. Quanto à qualidade do peixe, essa cabe ao produtor promover divulgando as práticas de criação que a empresa utiliza.
Proveniência de bivalves na mira dos investigadores
O DBIO e o CESAM estão igualmente a desenvolver testes que certifiquem a proveniência de bivalves. Neste caso, o método é diferente do utilizado nos peixes já que os moluscos não são produzidos em tanques mas sim na Ria. “Nas mesmas regiões lagunares costeiras ou estuários, onde são apanhados, temos locais com classificações diferentes que têm a ver com o nível de qualidade microbiológica da água”, explica Ricardo Calado.
“Há zonas da Ria de Aveiro, por exemplo, onde os bivalves não podem ser apanhados para consumo humano. Há zonas onde isso pode ser feito mas os bivalves têm de ser processados industrialmente. E há outras zonas onde os bivalves podem ser apanhados, depurados e podem ser vendidos frescos para consumo humano”, aponta o biólogo referindo ainda os bivalves que vêm do mar em que, “salvo raras exceções”, podem ser apanhados e consumidos diretamente.
“Para além do teste de microbiologia molecular que utilizamos nos peixes, analisamos nos bivalves os elementos químicos constituintes da concha e delineamos o perfil dos ácidos gordos presentes no músculo adutor do bivalve”, explica o biólogo Fernando Ricardo. Com os resultados, os testes da UA garantem permitir verificar a proveniência dos moluscos.
Ricardo Calado exemplifica: “Um berbigão do canal de Mira [Ria de Aveiro] tem uma assinatura geoquímica e bioquímica que é distinta de um apanhado no canal de Ovar [igualmente situado na laguna aveirense]. Uma ameijoa da Ria de Aveiro tem uma assinatura diferente de uma ameijoa do Estuário do Tejo ou da Ria Formosa”. Assim, esta ferramenta servirá facilmente para ajudar a fiscalizar e a desincentivar a fraude já que no mercado há muitos bivalves apanhados em zonas onde a captura está proibida e que estão à venda como tendo proveniência de uma região sem interdição. “Esta é uma situação que põe em perigo a saúde pública”, avisa Ricardo Calado.
Preciosa ajuda à fiscalização
“Hoje em dia, ou as pessoas são apanhadas em flagrante, e mesmo assim é preciso que a justiça funcione ou, de outra forma, não há como contornar estas questões porque não temos implementado no país um regime de monotorização que possa comprovar que o que se diz que veio daquele local veio mesmo”, descreve o responsável.
“Cada vez mais o consumidor, face à consciência que tem da importância de saber de onde vêm os alimentos que ingere, quer saber a proveniência do que está a comer”, aponta o biólogo Ricardo Calado. Nesse sentido, o investigador diz que “tem de haver uma terceira entidade que assegure que a pessoa está a pagar por um produto que foi sujeito a uma série de testes e que está dentro de uma cadeia de responsabilidade que garante que não está a comprar gato por lebre”. O teste da UA quer assumir esse papel.
Os testes de rastreabilidade foram desenvolvidos no âmbito do projeto RASTREMAR financiado pelo PROMAR (Programa Operacional Pesca 2007-2013, cofinanciado pelo Fundo Europeu das Pescas). O projeto contou igualmente com a parceria das pisciculturas Aguacircia, Materaqua e Riaqua, da Associação dos Produtores de Bivalves da Ria de Aveiro e da Divisão de Aquacultura e Valorização do IPMA. Este projeto conta igualmente com a chancela da Plataforma Tecnológica do Mar da UA.
Fonte: http://www.rostos.pt